Assunto é motivo de desgaste com a equipe econômica
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza a concessão de uma nova rodada do auxílio emergencial pode abrir uma brecha para o governo conceder a desoneração dos combustíveis sem medidas de compensação, se for decretado o estado de calamidade no futuro.
Por enquanto, a minuta da PEC, à qual o Estadão/Broadcast teve acesso, prevê a concessão do auxílio emergencial na forma residual, sem a decretação do Estado de calamidade pública.
Artigo da minuta da PEC diz, porém, que as propostas do Congresso e os atos do Poder Executivo que provoquem ampliação de despesas, isenções e renúncia de receitas para o enfrentamento da covid-19 ficam dispensados das limitações legais que existem hoje para fazer esse tipo de medida. O texto não cita, mas uma dessas limitações é a necessidade compensação da perda de arrecadação com medidas de aumento de impostos ou corte de despesas.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, essa possibilidade só aconteceria se fosse decretado o estado de calamidade. Ainda assim, seria preciso que o preço dos combustíveis fosse entendido como um problema relacionado à calamidade.
A PEC fala de forma geral, sem especificar, por exemplo, a desoneração do diesel e do gás de cozinha que o presidente Jair Bolsonaro anunciou na semana passada, que começa a valer no dia 1º de março.
A minuta diz que, para as restrições serem suspensas, a renúncia precisa ser feita para enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas. Um conceito bem abrangente que serve para todo tipo de ação, inclusive viabilizar programas voltados para socorrer as empresas, como ocorreu na pandemia na semana passada.
Pressionado pelos caminhoneiros, que ameaçam uma greve, o presidente Jair Bolsonaro quer zerar os tributos federais sobre o diesel por dois meses. Ele também quer zerar a tributação do gás de cozinha. Mas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) essa desoneração tem de ser feita com a compensação.
Nas últimas duas semanas, o presidente deu sinais de que vai procurar suspender ou mudar essa regra da compensação, uma das travas mais importantes da LRF para o controle do aumento de gastos.
Esse assunto é motivo de desgaste com a equipe econômica. A área técnica do Ministério da Economia alega que será crime de responsabilidade fiscal se o governo fizer a desoneração sem a compensação.
Transparência
Para o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, a desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel poderia ser feita sem a necessidade da compensação exigida pela LRF porque tem duração de apenas dois meses. Ele destacou, porém, que é recomendável ampliar a transparência no anúncio das medidas e demonstrar que o governo será responsável fiscalmente.
Segundo Salto, o artigo 14 da LRF, que cobra a compensação, fala da concessão de incentivos ou desonerações com efeito no próprio exercício e nos dois anos seguintes, o que não é o caso da desoneração do diesel, prevista para durar dois meses. A área econômica calcula impacto de R$ 3 bilhões.
“Minha interpretação é que artigo 14 é muito claro, ele diz que medidas que tenham efeitos fiscais por dois anos ou mais devem ser compensadas. Quando faz mudança de PIS/Cofins para dois meses, a rigor não se enquadra no artigo 14, mas vai ter que colocar no Orçamento, que não está aprovado ainda”, disse Salto em coletiva para apresentar o Relatório de Acompanhamento Fiscal da IFI.
Segundo ele, se o governo incluísse “no mínimo uma reestimativa” das receitas, incorporando o impacto da desoneração, já seria “fiscalmente responsável”. “Se ele disser que a estimativa de receita era R$ 1,595 trilhão e agora é R$ 1,598 trilhão, e mostrar que reestimativa é suficiente para bancar desoneração, entendo que está sendo fiscalmente responsável”, afirmou.
O diretor da IFI Daniel Couri afirmou que talvez o Tribunal de Contas da União (TCU) seja instado a se manifestar sobre a polêmica. Dentro do governo, a ala política não quer fazer a compensação, pois teria de cortar subsídio de outros setores, enquanto a área econômica insiste na medida. O ex-secretário da Receita Federal Jorge Rachid entende, por sua vez, que há necessidade sim de cumprir o artigo 14 da LRF.
“O que importa é que dê transparência e mostre de que forma vai impactar as contas”, afirmou Couri, lembrando que há ainda críticas direcionadas ao mérito da política, se ela distorce ou não os preços dos combustíveis.
Salto destacou que decisões sobre gastos são de natureza política, mas o espaço para financiá-los também depende de outras ações políticas.
Fonte: Estadão Conteúdo