Para garantir horta e produção de espécies nativas do Pantanal, uma capacitação sobre viveiros é promovida por meio do Programa Corredor Azul, no Território Indígena Kadiwéu, localizado no município de Porto Murtinho
Indígenas que atuam no viveiro de mudas da aldeia Barro Preto, que faz parte do Território Kadiwéu, participaram de uma capacitação sobre cultivo de plantas nativas. O curso é uma realização do Programa Corredor Azul, por meio da Wetlands International Brasil e Mupan (Mulheres em Ação no Pantanal), em parceria com o instrutor ambiental Fernando Terena, e pesquisadores da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
Executado em dois módulos, o curso tem o intuito de promover a troca de saberes entre os povos originários e cientistas, a fim de que a comunidade indígena tenha condições de gerir com independência o mais novo viveiro do Território Kadiwéu. Espaço que foi construído, em junho deste ano, com apoio da Abink (Associação de Brigadistas Indígenas da Nação Kadiwéu).
“A brigada foi essencial no levante do viveiro. Com esse espaço, o nosso território já vai para o segundo viveiro, contando com o da aldeia Alves de Barros. Aqui, na Barro Preto, a gente criou uma horta pensando em melhorar a merenda escolar, a alimentação das famílias e quem sabe, no futuro, comercializar fora, gerar renda”, explica a artesã indígena e gestora do viveiro, Silvana Silva.
Batizado de “Nialigui Libeneningui”, que traduzido para o português significa mata bonita, o viveiro terá também a missão de ajudar a desvendar o mistério do cultivo de uma espécie nativa do Pantanal, o pau santo. Árvore que é necessária para a produção da resina utilizada na cerâmica Kadiwéu, mas que os próprios indígenas desconhecem o modo de reprodução, como pontua a coordenadora de assuntos indígenas e comunidades tradicionais da Wetlands International Brasil, Lilian Ribeiro.
“O sistema de produção do pau santo é um enigma até mesmo para os Kadiwéu. Então, o nosso trabalho de campo vem também para promover essa articulação entre a UFMS e os indígenas quanto ao estudo e cultivo do pau santo, de forma que a espécie possa ser cultivada no viveiro”, diz ela em tom de comemoração, “Percorremos há anos a região a fim de conhecer mais a espécie, e nessa última visita tivemos a surpresa de encontrá-la com sementes. Um esforço coletivo, que conta com apoio do Programa Corredor Azul, criado há cinco anos, que tem chegado a lugares, talvez, inimagináveis. Quando falamos de conservação é recorrente pensarmos no meio ambiente, mas, o que tem acontecido aqui transpassa, porque atua no empoderamento das comunidades, na valorização da sua identidade cultural”.
A professora da UFMS, Letícia Garcia, coordenadora do projeto Estado de Conservação, restauração ecológica e cadeia produtiva de espécies vegetais nativas de interesse indígena no Pantanal, financiado pelo Funbio – GEF Terrestre – argumenta que as sementes coletadas serão primordiais para dar seguimento aos estudos do pau santo.
“A seiva do pau santo é indispensável na produção da tinta preta, brilhante, típica da cerâmica Kadiwéu. Essa espécie pode estar em declínio devido ao extrativismo, incêndio e pressões de conversão no ambiente onde ela ocorre. Conhecer a fundo o cultivo dessa árvore é possibilitar mecanismos de continuidade tanto da espécie como da arte indígena”.
Fernando Gonçalves, consultor de sustentabilidade do projeto Tumuné Úti (Nosso Futuro), da aldeia Imbirussu, no município de Aquidauana, que atua como instrutor nos viveiros Kadiwéu, aponta a importância dessa capacitação.
“Para ter êxito na produção de mudas em viveiro é preciso seguir uma metodologia de trabalho, por isso o curso é dividido em módulos: o primeiro que é sobre manejo de viveiro e coleta de sementes, executado nesta semana, e o segundo que é voltado ao beneficiamento de sementes e produção de mudas. A meta é que todo o material que for utilizado no viveiro da Barro Preto seja retirado da comunidade, ou seja, sementes, substratos, nada virá de fora do Território Kadiwéu”.
A previsão é de que o segundo módulo do curso seja executado na segunda quinzena deste mês, em alusão ao Dia da Árvore, celebrado em 21 de setembro, como forma de reconhecer a importância da espécie pau santo na cultura Kadiwéu.
Terra Indígena Kadiwéu
A Terra Indígena Kadiwéu possui 538 mil hectares e aproximadamente 1.400 habitantes nas aldeias de Alves de Barros, São João, Campina, Barro Preto, Córrego do Ouro e Tomazia. Um território que trabalha pela preservação de sua cultura e conservação de dois biomas: Pantanal e Cerrado.
Com a formação da brigada do Prevfogo, seguida da Abink, no ano de 2018 e a construção de dois viveiros, a etnia tem mais ferramentas para trabalhar pela conservação da natureza. Ao final, apenas a tragédia do incêndio, em 2020, comprometeu 45,9% das terras Kadiwéu, ou cerca de 247,3 mil hectares foram consumidos pelo fogo. Uma área que levará tempo para se recuperar totalmente.