Primeiro é a discussão, em seguida acontece a troca de ofensas, na sequência, já com o emocional descontrolado, tem-se a agressão física. Em geral, é este o cenário que ilustra um caso de violência doméstica e que pode resultar em um feminicídio. Em Mato Grosso do Sul, durante o ano passado foram 43 mulheres assassinadas pelos seus ex ou ainda atuais companheiros. Neste ano corrente, já foram cinco vítimas fatais.
A Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, prevê o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio e o inclui como crime hediondo. De acordo com a lei, o feminicídio é um homicídio qualificado praticado “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”, onde envolve “violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
Para a delegada de polícia Karen Viana de Queiroz, que atua dentro da Delegacia Especializada no Atendimento À Mulher (DEAM), em Campo Grande, o grande número de feminicídio no estado pode estar ligado à cultura machista e patriarcal de Mato Grosso do Sul. Esses casos são, por vezes, muito bárbaros pelo fato da violência empregada estar diretamente ligada ao vínculo emocional entre o autor e a vítima.
“Ao contrário do que se pensa, quando ocorre a violência doméstica, especialmente nos crimes contra a vida, não é a frieza do agressor que mais impacta, e sim o vínculo emocional que tem com a vítima. Esse agressor perde o temperamento e, somado ao seu emocional e criação, acaba se excedendo, tentando normalizar ou justificar sua conduta”, detalhou ela em entrevista exclusiva ao site Enfoque MS.
Para ela, a parte mais difícil no atendimento à mulher vítima de violência é o fato delas não conseguirem sair deste ciclo abusivo sozinhas, sem o apoio de uma rede e da família. “Seja porque tem filhos com o agressor, por ser dependente economicamente dele ou por acreditar que a agressão não irá evoluir, que ela não corre mais riscos, quando a violência já é grave por si só, independente de sua forma”.
Karen comenta que a violência doméstica deve ser combatida de forma educativa, prevenindo para evitar que aconteça e que ter essa educação dentro de casa é fundamental. “A consciência e educação é essencial para que a vítima consiga quebrar esse ciclo, seja por ela, pela família ou pelos filhos que, se presenciarem ou souberem do crime, possam interferir e auxiliar, orientar e apoiar a vítima a desvincular do agressor, sem culpá-la ou sem normalizar a situação”.
A delegada lembrou também da importância de se fazer a denúncia dos casos, especialmente para poder provocar os órgãos públicos competentes que vão tratar das medidas cabíveis para proteger a mulher em situação de vulnerabilidade. Além da própria vítima, outras pessoas que testemunharam uma agressão, ou mesmo algo que possa ser considerado como abusivo, devem comunicar o fato às autoridades.
“Quando nós, cidadãos, visualizarmos a ocorrência de um delito, podemos e temos que comunicar uma autoridade para que as providências cabíveis sejam tomadas. Quando houver uma vítima de violência em contexto familiar, sendo que por vezes a mesma não enxergue dessa forma, mas quem convive sabe que aquela situação é abusiva, é possível fazer a denúncia anônima no telefone 180 ou na delegacia”, citou.
Karen frisou que a violência doméstica envolve emoção, sentimento e o vínculo familiar. “Por envolver afeto, o risco da ocorrência de um crime, inclusive contra contra a vida não só da mulher, como dos filhos, é muito grande. Mesmo assim, é desafiador retirar essa mulher do ciclo de violência, e é por isso que ela precisa do apoio tanto dos órgãos públicos, quanto da família, dos amigos e demais pessoas que a amam e que possam dar o suporte necessário para a retomada da vida afastada do agressor”.
A delegada também reforçou o papel da família no processo de auxilio à mulher. Para ela, seio familiar é a base de toda construção humana. “A família também exerce grande papel em ajudar a vítima a visualizar a problematiza da violência doméstica que está sofrendo e a tomar uma atitude de sobrevivência, de amor próprio e de dignidade para sair daquele meio, de não permitir que a pessoa com quem ela convive a desrespeite. A partir do momento em que há violência, já se afastou o respeito que provém do amor, e é muito importante que isso seja validado pela vítima para que ela possa dar um basta”.
Ainda sobre a importância de fazer o registro dos casos, a delegada falou que serão tomadas várias providências legais pelos órgãos públicos de combate à violência doméstica, além de apoio da assistência social e acompanhamento psicológico, caso necessario. “Com a Lei Maria da Penha, a partir do momento em que é solicitada a medida protetiva de urgência e intimadas as partes envolvidas, a mulher tem o respaldo de que, caso o agressor descumpra a decisão judicial, e ela informe o Poder Judiciário ou a Delegacia da Mulher, as autoridades poderão tomar medidas mais gravosas com relação à liberdade do autor, seja com a imposição de tornozeleira eletrônica, seja com sua prisão preventiva, ou seja, antes do julgamento de seu processo”, explicou.
Ao voltar suas atenções para o Mês da Mulher, celebrado em março, a delegada de polícia Karen Viana de Queiroz mencionou a importância da união entre as mulheres e do papel fundamental que elas têm dentro dos lares. “Nunca esqueçamos que, independente de crença, religião ou profissão, nós somos únicas, determinadas, corajosas, fortes, talentosas”.
“Mulheres reais que passam sim pelo sofrimento, mas que possamos ter como inspiração outras mulheres e nos fortalecer e apoiar para que, cada dia mais, possamos conquistar espaços, direitos e fazer a nossa parte como mulheres, mães, irmãs e cidadãs desse Brasil. O papel mais importante da mulher é em casa, é com a família, são as pessoas que nós educamos ou convivemos. Que todas as mulheres saibam da sua importância e da sua força e da diferença que fazem na sociedade”, finalizou.