Entre os avanços resultantes da reconstrução da democracia no Brasil, está o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. Essa condição jurídica, fruto de forte mobilização social, foi prevista, pela primeira vez, na Constituição de 1988 e reforçada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa, neste sábado (13), 34 anos.
As garantias do ECA são reforçadas, no âmbito de Mato Grosso do Sul, por leis aprovadas na Assembleia Legislativa (ALEMS). Apenas neste ano, de fevereiro a junho, o Parlamento estadual aprovou cinco leis que visam assegurar a dignidade de crianças e adolescentes em todas as fases da vida.
Os parlamentares aprovaram, em fevereiro, a Lei 6.188/2024, de autoria do deputado Professor Rinaldo Modesto (Podemos). Essa lei remete ao capítulo IV do ECA (do artigo 53 a 59), que trata sobre o direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer.
“Importa destacar que o artigo 53 do ECA garante às crianças e aos adolescentes acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, assegurando vagas no mesmo estabelecimento educacional a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica”, afirmou o parlamentar na justificativa da proposta.
No mês seguinte, a ALEMS aprovou a Lei 6.197/2024, que institui a Semana Estadual de Conscientização e Educação sobre a Entrega Legal de Crianças para Adoção no Estado de Mato Grosso do Sul. De autoria da deputada Gleice Jane (PT), essa lei busca sensibilizar as pessoas quanto à importância do artigo 19-A do ECA, introduzido pela Lei 13.509/2017. Esse artigo incluiu no Estatuto a entrega voluntária, determinando o atendimento institucional das gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção.
Também relacionadas à proteção das gestantes e seus filhos, foram aprovadas, no mês de abril, as leis 6.216/2024 e 6.220/2024, ambas de autoria do deputado Antonio Vaz (Republicanos). A primeira cria a Semana Estadual de Prevenção e Combate à Depressão na Gravidez e a segunda institui a Campanha Gravidez Segura e Prevenção à Síndrome Alcoólica Fetal.
As duas leis fortalecem, em Mato Grosso do Sul, o que está disposto no artigo 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse artigo assegura diversos direitos para que haja atenção integral e humanizada à mulher e ao bebê na gravidez, parto e pós-natal.
A Assembleia Legislativa também aprovou, em junho, a Lei 6.266/2024, de autoria do deputado Pedrossian Neto (PSD). Essa lei dispõe sobre a obrigatoriedade da comunicação ao Ministério Público Estadual (MPMS) da realização de registro de nascimento no caso de mães ou pais menores de 14 anos pelos cartórios de Registro Civil. A medida fortalece a determinação do artigo 4º do ECA quanto ao dever da família, comunidade, sociedade e poder público de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos das crianças e dos adolescentes.
“A ideia desta lei de minha autoria é criar um mecanismo para apurar eventuais crimes de estupro de vulnerável e abusos cometidos contra crianças e adolescentes. Afinal, estamos falando de meninas de 14 anos grávidas, ou meninos com a mesma idade se tornando pais. É preciso apurar esses casos e averiguar se houve crimes contra eles”, comentou Pedrossian Neto. “Nossa lei vem no sentido de se tornar um meio de denúncia rápida, agora obrigatória, para proteger estas pessoas tão vulneráveis. Acredito que a medida fortalece o ECA, por se aliar ao conjunto de normas de proteção dos direitos da criança e do adolescente”, acrescentou o parlamentar.
Iniciativas conjuntas efetivam direitos assegurados no ECA
O Legislativo estadual tem importante papel na criação de leis que contribuem para a efetivação de garantias previstas em normativas federais, como o ECA. A atuação do Legislativo, juntamente como os demais Poderes e a sociedade, é fundamental para assegurar direitos, como observa a presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA-MS), Andrea Cavararo.
“Dada a importância das leis e de iniciativas, como políticas públicas e demais ações da sociedade civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente é um dos pilares para o fortalecimento de uma sociedade mais justa e igualitária no que concerne aos direitos humanos e à dignidade da pessoa em seus múltiplos aspectos”, afirmou a presidente.
Ela também destacou a relevância de iniciativas que proporcionam informação e proteção às famílias, que são “porto seguro da criança e do adolescente”. “As informações e campanhas educativas, além de outras iniciativas coordenadas entre os diversos poderes constituídos e a sociedade, podem trazer mudanças e contribuir, sobremaneira, para o futuro de nossas crianças e adolescentes”, finalizou.
Direito a ter direitos
Durante o processo de redemocratização do Brasil, houve forte mobilização dos movimentos de direitos humanos em defesa da infância e adolescência, culminando na inclusão do artigo 277 no texto constitucional, que estabelece a prioridade absoluta de crianças e adolescentes. Com esse dispositivo, a Constituição de 1988 reconheceu crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. Essa condição foi consolidada pelo ECA, instituído pela Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Crianças e adolescentes brasileiros passaram a ter, formalmente, direito a ter direitos.
“Tanto na Constituição quanto no ECA, eles [crianças e adolescentes] deixaram de ser considerados ‘objeto de medidas judiciais’ para se tornarem titulares de direitos. O reconhecimento ao direito de todos os cidadãos à saúde e à educação e a ênfase na descentralização das políticas públicas também significaram um novo marco para a atuação dos governos e das organizações da sociedade civil”, afirma o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em documento publicado por ocasião dos 30 anos da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
Essa Convenção, de 1989, inspirou o ECA. Por meio do Estatuto, o Brasil também reafirmou, em território nacional, outro documento internacional: a Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1979. O ECA é um marco não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina: pela primeira vez na história latino-americana, uma legislação estabelecia a proteção integral da criança e do adolescente, assegurando-lhes direitos fundamentais. Mas é preciso, ainda, a construção de outro marco: a efetivação absoluta de todos os direitos assegurados no Estatuto a todas as crianças e adolescentes.