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sábado, 18 de janeiro, 2025
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Fake news sobre Pix ressalta importância de regulamentação das redes, dizem especialistas

Base aliada do governo no Congresso deve retomar pressão sobre o tema; críticos, contudo, dizem que o assunto está ‘contaminado’

A onda de desinformação ligada à portaria do governo federal que incluiu transações feitas por Pix na fiscalização da Receita Federal demonstraram, na prática, a importância de regulamentar as redes sociais. A avaliação é de especialistas ouvidos pela reportagem. Apesar das tentativas de desmentir as fake news, o governo revogou a medida nesta semana.

A onda de informações falsas inundou as redes nas últimas semanas. Um vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), em que ele alertava para uma possível taxação do Pix, atingiu milhões de visualizações em poucas horas, antecedendo a revogação da portaria.

No Congresso Nacional, a base aliada deve usar o ocorrido para tentar reviver um projeto de lei que regule as plataformas, conhecido como PL das Fake News. Conforme apurou o R7, o texto, contudo, enfrenta resistência entre a oposição e integrantes do centro. Membros do próprio governo, inclusive, admitem que o tema é difícil de ser enfrentado, pois está “contaminado” e por não ter votos suficientes.

Especialista em direito digital, Laura Porto explica que a desinformação em torno da portaria sobre o Pix demonstrou como as redes sociais podem divulgar conteúdos distorcidos de forma rápida, influenciando a opinião pública.

“A regulamentação das redes busca estabelecer normas para que essas plataformas implementem mecanismos de transparência e responsabilidade, diminuindo o alcance de notícias falsas e permitindo respostas mais rápidas a esse tipo de problema”, disse.

“A correção de uma informação falsa enfrenta desafios significativos para alcançar a mesma amplitude que a desinformação original. Isso ocorre porque informações falsas geralmente são projetadas para gerar reações emocionais, como medo, indignação ou surpresa, o que as tornam altamente compartilháveis e virais”, continuou.

De acordo com ela, a regulamentação pode exigir que as plataformas tenham mais transparência sobre os algoritmos que promovem os conteúdos; estabeleçam punições para a não remoção de notícias comprovadamente falsas; criem mecanismos de identificação de contas falsas ou bots, que frequentemente amplificam desinformação; e incentive ou obrigue a implementação de verificadores e proteja denunciantes, criando normas para responsabilização de usuários que deliberadamente criam e espalham fake news.

“Os algoritmos das redes sociais priorizam conteúdos com alto engajamento, e como a desinformação geralmente viraliza antes da correção, o conteúdo falso continua sendo promovido, enquanto as tentativas de esclarecer os fatos ficam menos visíveis”, prosseguiu.

No caso do Pix, a especialista considera que, apesar do erro de comunicação digital do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a desinformação foi o fator predominante para que informações falsas se espalhassem. “O erro de comunicação inicial do governo facilitou a propagação de boatos, enquanto a pressão popular resultante forçou a revogação da medida”, avaliou.

Para Laura, o projeto em trâmite na Câmara aborda questões fundamentais na responsabilidade e governança das plataformas, mas a principal questão é a polarização gerada sobre o assunto, que parece ter fechado o debate sobre a regulamentação.

“Essa polarização tem dificultado a construção de um consenso e abriu caminho para que o tema fosse levado ao Supremo Tribunal Federal, que, atualmente, analisa o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Esse julgamento pode definir aspectos cruciais sobre a responsabilidade das plataformas, impactando diretamente o futuro da regulamentação digital no Brasil”, destacou.

A proposta que está na Câmara

Aprovado pelo Senado em 2020, o projeto tramita em um grupo de trabalho na Câmara, que ainda não teve qualquer membro indicado. O texto foi despachado para o local após ser pautado, mas, em virtude da pressão das big techs e da desinformação nas redes sociais, não foi votado. Na época, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), atribuiu a falta de acordo à ação das big techs, multinacionais que controlam as redes sociais.

O texto do relator da Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ampliou o escopo da proposta do Senado. Em resumo, o projeto cria a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência da internet, que estabelece a regulamentação das plataformas digitais. Em paralelo a isso, o Senado também aprovou e enviou para a Câmara uma proposta que regulamenta o uso da Inteligência Artificial no Brasil.

Apesar de destacar que o episódio envolvendo o Pix demonstra a importância da regulamentação das redes, a cientista política e analista legislativa Paula Trindade acredita que o PL das Fake News ainda deve enfrentar muita resistência da oposição e das plataformas. Ela, contudo, considera que o governo deve usar a oportunidade para defender a aprovação.

Ela explicou também que o texto, para ser pautado, deve ter alterações para chegar a um maior consenso. “Deve ter uma pressão para pautar esse projeto, ainda mais porque já foi aprovado no Senado. E falta pouco tempo, são mais dois anos do governo Lula, e a regulamentação é prioridade desde o início do governo”, contou.

Membro da base governista e líder do PSOL, a deputada Érika Hilton (SP) considera que a desinformação em torno do Pix demonstrou a necessidade de o governo levar adiante a pauta da regulamentação das redes. Ela disse que o partido vai se mobilizar.

“Espero que governo procure o próximo presidente da Casa”, disse, ao destacar que o grupo de trabalho, praticamente, “engavetou” o projeto. “Agora, há uma necessidade de os parlamentares se organizarem, em grupos e bancadas, para tentar pressionar esse debate dentro da Câmara e construir uma correlação de forças junto ao governo”, continuou.

“Também, por parte do governo, [existe a necessidade] de buscar, procurar e tensionar o conjunto dos deputados, o presidente da Casa e com os partidos da base, em especial, para que, de alguma maneira, essa discussão ganhe um novo capítulo, e que seja um capítulo diferente do que ela se encontra agora”, prosseguiu. Para Érika, o texto só será pautado se houver votos suficientes para a aprovação.

Filiado ao PT, de Lula, o deputado Bohn Gass (RS) disse que o governo “tem interesse” na regulamentação das redes. “O governo tem interesse, a esquerda tem interesse, e é importante que a sociedade se manifeste, sob pena de as mentiras continuarem crescendo”, contou.

Contudo, uma ala do partido considera que o ocorrido com o Pix não muda em nada a paralisação da pauta no Congresso, pois o assunto estaria “contaminado” e “sem votos” suficientes para aprovação.

Oposição e centro resistem ao tema

Apesar de todo o imbróglio, a oposição deve continuar resistindo ao tema e levando o apoio de uma ala do centro. “Acho muito difícil passar regulamentação de redes”, disse um deputado do bloco do centro, sob reserva. Ele também considera que o tema foi “contaminado”.

De oposição, o deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) considera que a polêmica sobre o Pix deixou o governo e aliados sem “argumentos e sem crédito para defender a regulamentação”. Vice-líder da oposição, o deputado Mendonça Filho (União-PE), também segue a linha do colega.

“Acho que vai aumentar a oposição ao projeto que quer limitar o direito constitucional e democrático que é a liberdade de expressão. Não defendo que ninguém cometa crime na internet. Quem comentar tem que ser punido, a lei já estabelece. A regulamentação já existe no Marco Civil da internet. Mas proposta para censurar, coibir, para intimidar as pessoas vai ter forte reação popular”, declarou.

O discurso de que a regulamentação criaria uma “censura” ficou popularizado nas redes em virtude das desinformações sobre o projeto. A especialista em direito digital Laura Porto considera que isso dificulta o diálogo sobre o assunto, atrasando o debate.

“A linha entre liberdade de expressão e censura é, de fato, muito tênue. Por isso, é essencial mantermos o debate aberto e contínuo para garantir que os critérios estabelecidos sejam claros, justos e proporcionais”, observou.

“O diálogo constante permite equilibrar a proteção contra desinformação e discursos nocivos com a garantia do direito fundamental à liberdade de expressão, prevenindo excessos regulatórios e assegurando a confiança da sociedade nas medidas adotadas”, concluiu.

Fonte: R7

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