Aprovadas pelo Congresso Nacional nesta semana, as novas regras para emendas parlamentares geram preocupações quanto à fiscalização dos recursos e podem levar o tema novamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). A medida ocorre poucos meses após o tribunal suspender pagamentos devido à falta de transparência no processo de indicação dos valores.
No final de 2023, o ministro Flávio Dino determinou que o parlamento adotasse mecanismos para garantir maior lisura na distribuição das emendas. No entanto, o texto votado por deputados e senadores contorna as exigências impostas pelo STF, levantando críticas de parlamentares e organizações que temem a continuidade da prática conhecida como orçamento secreto.
Falta de transparência e rastreabilidade
O novo texto não obriga deputados e senadores a identificarem algumas emendas indicadas por eles e não especifica como funcionará o sistema de monitoramento dos repasses. Além disso, estabelece que as indicações de emendas de bancadas estaduais e comissões devem ser enviadas de forma coletiva, com apenas um parlamentar assinando em nome dos demais, dificultando a identificação dos reais autores das emendas.
Especialistas e entidades apontam que as mudanças ignoram exigências do STF sobre transparência e rastreabilidade dos recursos. O gerente do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional, Guilherme France, avalia que as novas regras não atendem às exigências do tribunal e dificultam o monitoramento público dos investimentos.
“Esse problema de fiscalização vai permanecer, só que com novas figuras interpostas. Tanto o líder partidário quanto o coordenador de bancada, em diversos cenários, vão assumir a titularidade [da indicação das emendas], e a gente vai continuar sem conseguir identificar quem são os parlamentares que propuseram as emendas. Isso gera um problema não só em termos de transparência, possibilidade de identificação, mas também a própria dificuldade de eventuais casos de corrupção e conflitos de interesse”, alerta.
Entidades como a Transparência Brasil e Contas Abertas também criticaram a criação de um novo tipo de emenda que dispensa a informação sobre qual político patrocinou o envio dos recursos. Em nota conjunta, afirmaram que a medida enfraquece o controle social sobre o orçamento público e afronta a Constituição.
Possível nova análise do STF
Diante das brechas no texto aprovado, o PSOL anunciou que acionará novamente o STF para questionar a legalidade das novas regras. O partido já havia recorrido ao tribunal no passado para extinguir o orçamento secreto, que permitia a destinação de bilhões de reais sem critérios claros ou transparência.
“O partido vai denunciar a figura da ‘emenda de liderança’, que nada mais é que um atalho para que os líderes partidários indiquem as emendas de comissão — sem transparência, rastreabilidade e sem explicitar os reais autores das emendas”, afirmou a legenda.
O professor associado de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Beçak, avalia que um novo debate no STF pode gerar desgaste político. “É plausível imaginar que essa emenda venha a ser examinada em sede de controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, na medida em que ela não atende todos os pontos colocados lá atrás pelo ministro Flávio Dino”, explica. “Mas, politicamente, pode gerar um desgaste ainda maior numa relação que já vem bem estremecida”, acrescenta.
O ministro Flávio Dino, por sua vez, sinalizou que o governo continuará dialogando sobre o tema. “Há o diálogo, e há decisões que levam a novos diálogos, e assim sucessivamente, para que nós possamos, como houve no orçamento secreto, ter um acúmulo de progressos”, afirmou.
O que foi aprovado?
As novas regras estabelecem que as atas de apresentação e indicação de emendas devem ser elaboradas, sempre que possível, em um sistema eletrônico. Além disso, determinam que as emendas sigam as disposições do artigo 166 da Constituição Federal, que impõe restrições para evitar a alocação descontrolada de recursos.
Outra mudança relevante é que nenhuma emenda poderá ser aprovada em valor superior ao solicitado originalmente, exceto em casos de remanejamento entre emendas do mesmo parlamentar.
O senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator da proposta, reconheceu a possibilidade de uma reação negativa do STF ao texto aprovado, mas afirmou que a versão final atende aos requisitos definidos. A decisão do Supremo sobre o tema, no entanto, ainda é incerta.