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quarta-feira, 16 de abril, 2025
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Governo retoma articulação para regulamentar plataformas digitais e mira riscos sistêmicos

O governo federal pretende retomar, nas próximas semanas, a articulação com o Congresso Nacional para colocar de volta na pauta legislativa a discussão sobre a regulação das plataformas digitais. A informação foi confirmada pelo secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, João Brant, durante palestra na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Brant afirmou que o governo está finalizando sua posição sobre o tema, tanto do ponto de vista técnico quanto estratégico. Segundo ele, a proposta de regulação precisa equilibrar três eixos centrais: a responsabilidade civil das plataformas, o dever de prevenção contra conteúdos ilegais e danosos, e a mitigação dos riscos sistêmicos inerentes à atividade dessas empresas.

“Ao discutir regulação ambiental, por exemplo, sempre se observam os riscos sistêmicos, aqueles que afetam direitos fundamentais. O ambiente digital está distorcido, e as plataformas seguem atuando sem assumir qualquer responsabilidade real sobre os efeitos que produzem”, argumentou o secretário.

A principal proposta em debate é o Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. Aprovado pelo Senado, o texto encontra-se parado na Câmara dos Deputados desde o ano passado, em razão da falta de consenso entre os parlamentares.

Atualmente, a atuação das plataformas digitais é regulada pelo Marco Civil da Internet, de 2014. Pelo Artigo 19 da lei, as redes sociais só são responsabilizadas por conteúdos ofensivos se descumprirem ordem judicial de remoção, com exceção de casos específicos como vazamento de conteúdo sexual ou violação de direitos autorais. Na prática, a moderação cabe às próprias empresas, que adotam políticas internas para gerenciar o que permanece ou não no ar.

A necessidade de uma legislação mais robusta voltou ao centro do debate público após denúncias de crimes cometidos contra crianças e adolescentes por meio das redes sociais. As chamadas big techs, que controlam as principais plataformas digitais, têm sido alvo de críticas tanto pela falta de transparência quanto pela resistência em colaborar com autoridades judiciais.

O coordenador do Centro de Referência para o Ensino do Combate à Desinformação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Afonso Albuquerque, concorda que a regulação se tornou urgente, mas afirma que ela deve ir além da responsabilização direta das empresas.

“Precisamos estabelecer regras sobre o financiamento das plataformas e garantir transparência algorítmica. Hoje, elas operam com enorme capacidade de interferência nos debates públicos, num ambiente quase completamente desregulado”, alerta Albuquerque.

Apesar disso, ele avalia que o ambiente político brasileiro não é atualmente favorável à aprovação do projeto. No entanto, destaca que mudanças no cenário internacional, especialmente nos Estados Unidos, podem influenciar indiretamente o debate no Brasil.

Segundo ele, os conflitos entre o ex-presidente Donald Trump e as plataformas, além do impacto econômico de políticas tarifárias, têm feito com que até mesmo bilionários que apoiavam o ex-presidente passem a rever suas posições. Isso, somado ao comportamento considerado intervencionista de figuras como Elon Musk e Mark Zuckerberg em assuntos internos de outros países, fortalece a defesa da soberania nacional frente à atuação das big techs.

“Eles demonstraram pouca sutileza em suas intervenções no Brasil e em outras nações, alimentando setores antidemocráticos e tornando evidente a necessidade de que os países imponham limites à atuação dessas empresas”, completou o especialista.

João Brant também citou como marco importante o embate recente entre o empresário Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo ele, demonstrou que o Estado brasileiro pode impor limites à atuação das plataformas.

“O Brasil tomou a decisão correta ao suspender o serviço enquanto não houvesse o cumprimento de decisões judiciais. No fim, Musk teve que ceder e seguir as regras. Isso criou um precedente que está sendo observado pelo mundo inteiro”, afirmou.

Para Brant, dois fatores podem impulsionar a pressão popular sobre o Congresso: a proteção de crianças e adolescentes e o aumento dos casos de golpes e fraudes online. “Muitas plataformas, inclusive, lucram com esses golpes, pois recebem para veicular anúncios fraudulentos”, denunciou.

Albuquerque conclui destacando a importância de que a regulação avance também no campo internacional, com mecanismos transnacionais de governança e fiscalização. “Trata-se de um problema global, e só uma resposta coordenada entre os países pode garantir regras eficazes para esse ecossistema”, defende.

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