06/03/2014 14h45 – Atualizado em 06/03/2014 14h45
O rolê de ontem e o rolezinho de hoje
Raquel Alencar
Quando eu era adolescente, fazia parte de um grupo que se reunia na casa de um amigo para ouvir músicas e ver filmes, com a pretensão de discuti-los depois. Conversávamos sobre vários assuntos, falávamos das novidades sobre discos, cinema e livros. Ríamos bastante e íamos até uma das ruas centrais da cidade do interior para tomarmos sorvete numa tradicional sorveteria. Com isso, nossas tardes de sábado passavam sem que nem percebêssemos.
Gravávamos em fita cassete seleções de nossos intérpretes favoritos, geralmente da MPB. Foi numa dessas tardes que conheci a famosa ‘Dê um rolê’, composição de Moraes Moreira e Luiz Galvão, na voz de Gal Costa. Na época, usávamos muito a expressão ‘Vamos dar um rolê!’, que apenas sugeria dar uma volta e ver o que estava acontecendo por aí.
Não assustávamos ninguém. Nosso grupo era tão pequeno: meia dúzia de pessoas, no máximo. Éramos ligados por algo em comum: ler bons livros, ouvir boa música e assistir a filmes que nem sempre compreendíamos. Queríamos apenas entender um pouco mais do homem e do mundo. E, quem sabe, mudá-lo.
Cada um seguiu seu caminho, mas até hoje mantemos a amizade e a intimidade. Não passou em vão para nós, mas não ditamos moda.
A palavra rolê ressuscitou em seu diminutivo. Agora, jovens que moram na periferia, fãs de funk e que são famosos nas redes sociais, marcam encontro em shoppings próximos de onde moram. O interesse é estar entre seus admiradores e ostentar roupas de grifes (aquelas que todos os adolescentes têm). O evento reúne cerca de centenas de jovens, naquilo que se convencionou chamar rolezinho. Querem, como todo mundo, divertirem-se nos shoppings.
No entanto, as pessoas andam assustadas com esse fenômeno. Ao vir para os bairros mais ricos de São Paulo, teve ares políticos e distanciou-se de sua origem. Tornou-se mais agressivo, um protesto contra a discriminação social. Mero oportunismo que se propagou pelo país.
Mesmo assim, o original também causa certo temor. Centenas de adolescentes unidos é um prato cheio para que atitudes rebeldes surjam. Rebelar-se faz parte da natureza deles. Sejam ricos, pobres, dos bairros ditos mais nobres ou da periferia.
Quando se está num grupo, a força é maior. Lá, deixamos nossa individualidade de lado para fazermos parte da identidade grupal. Ter uma turma é de extrema importância na adolescência, é onde novas pautas de identificação são buscadas, mas nem sempre encontradas. O problema é ter um líder negativo que dê vazão a comportamentos mais agressivos. Diluído num grupo, é mais fácil de alguém cometer atos não aceitos. Pronto, a confusão está feita. Como diz o ditado: uma andorinha só não faz verão.
E o que fazer, impedi-los de se reunirem nos shoppings? Não podemos fazer isso enquanto fenômeno social. Porém, não dá para aceitarmos atos de depredação e desrespeito. Se reprimirmos os encontros, além de não ser justo, vamos abrir as portas para que o façam de maneira mais agressiva. Lembremos que nesta época da vida estamos prontos para mudar e conquistar o mundo, impondo nosso jeito de pensar. Mesmo que isso seja mera ilusão.
Deixar o filho participar é outra questão. Mesmo que a intenção não seja “badernar”, isso pode ocorrer. Impedi-lo é mais seguro, mas corre-se o risco de que o jovem burle a decisão dos pais. Por isso, converse bem com seu filho antes de permitir que participe de um rolezinho. Mostre-lhe os prós e os contras, tentando chegar a um acordo com ele. Se não houver jeito, que os pais estejam cientes de sua participação, de preferência com um horário limite para o retorno. Assim, caso as coisas saiam do controle, eles não serão os últimos a saberem.
Como tudo que vem vai, temos que ter paciência para que esse fenômeno acabe. Daqui a pouco, outro tomará lugar e ele deixará de existir. Enquanto isso, devemos continuar a dar nossos roles pelos shoppings. Se encontrarmos algum rolezinho, é melhor aproveitar a oportunidade e se divertir.
Mas fica uma pergunta: Qual a diferença entre os jovens de 30 anos atrás e os de hoje? No caso do meu grupo, queríamos entender o mundo para transformá-lo, contestando o lugar das coisas e a classe dominante. Não sei se conseguimos muita coisa. Os de hoje, no entanto, parecem querer mais é se enquadrar, usando roupas de grife e frequentando shoppings, identificando-se com a tal classe dominante.