Curadoria se inspira na música sertaneja para apresentar a chamada “arte popular”, através de pinturas que retratam cenas do cotidiano
O projeto Arte nas Estações, idealizado pelo colecionador e gestor cultural carioca Fabio Szwarcwald, chega a Campo Grande nesta quinta-feira (5) com a inauguração da exposição Sofrência. Esta é a primeira de três mostras sequenciais que ocuparão os 200 m² de área expositiva do Centro Cultural José Octávio Guizzo, exibindo parte do acervo do Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil (Mian). Sob a curadoria de Ulisses Carrilho, as exposições foram concebidas de forma integrada, trazendo um total de 262 obras de 25 artistas.
Instalado no Rio de Janeiro entre 1995 e 2016, quando encerrou as atividades por falta de recursos, o Mian abrigou um acervo permanente de 6 mil pinturas de artistas de 120 países. Considerado o maior do gênero em todo o mundo, o conjunto foi reunido ao longo de décadas pelo joalheiro francês radicado no Rio, Lucien Finkelstein (1931-2008).
“Quando idealizei o projeto, meu objetivo era dar visibilidade a esta rara coleção e propor um olhar contemporâneo para esses artistas e suas produções, a partir de um diálogo entre eles e o mundo em que vivemos hoje. E o patrocínio master da Energisa foi determinante para a realização da etapa Mato Grosso do Sul”, diz Szwarcwald, diretor executivo do Arte nas Estações.
Após o sucesso da primeira edição do projeto no interior de Minas Gerais, que atraiu quase 30 mil visitantes no ano passado, a segunda itinerância inicia-se em Campo Grande com a mostra Sofrência, com temporada até 20 de outubro. Em seguida, serão apresentadas as exposições A ferro e fogo, de 31 de outubro a 8 de dezembro; e Entre o céu e a terra, de 19 de dezembro a 20 de fevereiro de 2025.
Em francês, o termo naif significa “ingênuo, sem qualquer tipo de malícia”. No campo das artes visuais, a arte naïf identifica uma produção de caráter autodidata, daqueles que não tiveram acesso ao ensino formal de arte. No entanto, os temas do universo popular, abordados por artistas como o mineiro Odoteres Ricardo de Ozias, mostram que a ingenuidade que transparece à primeira vista também é capaz de revelar camadas mais complexas e profundas da realidade social representada nas telas.
O curador afirma que se trata de um termo questionável e defende a sua utilização para desmontar a ideia de inferioridade e sublinhar o texto político que estas obras carregam: “De naïf esses artistas nada tinham, eram politicamente engajados”, observa Ulisses. “Essas exposições são sobre saberes que precisam ser respeitados e que não fazem parte de uma norma”.
Sobre a exposição – Sofrência reúne 72 obras que têm como matriz a figura feminina e retratam cenas de convívio social, ambientes domésticos e ruas das cidades onde florescem flertes, festas e trocas de olhares. A narrativa é entremeada por versos da música sertaneja, que popularizou o termo que dá título à mostra em canções que falam de amores mal resolvidos.
“Em Sofrência, a veia poética feminina tem como ponto de partida a canção ‘Troca de calçada’, em que a cantora e compositora Marília Mendonça traz para o eu lírico a voz de uma trabalhadora do sexo”, explica Ulisses. A força da poesia popular se manifesta nas obras de arte e nos versos de outros grandes nomes do sertanejo, como Maiara e Maraísa, e Cristiano Araújo, cujas letras foram impressas nas paredes da exposição. Essas e outras canções que inspiraram a mostra estão disponíveis em uma playlist criada na plataforma de streaming Spotify.
O projeto expositivo de Sofrência também ecoa uma estética pop ao convidar o público para uma experiência imersiva na área expositiva do Centro Cultural José Octávio Guizzo. A expografia de Janine Marques foi concebida para criar um “túnel de cor”, onde paredes e chão em tons de vermelho vibrante envolvem o público. Já a fachada espelhada do edifício, que esteve fechado para obras durante um longo período, vai ganhar uma intervenção com filtro colorido.
O Arte nas Estações destaca-se não apenas pelo trabalho voltado à democratização da cultura e das artes visuais, mas também pelo legado construído por meio de suas iniciativas educativas. Com programação ampla e inclusiva, o projeto investe na perspectiva social da arte, promovendo atividades que visam a construção de saberes em parceria direta com as comunidades locais.
Em Campo Grande, o Arte nas Estações pretende engajar ainda mais a população local, reforçando sua missão educativa e deixando um legado relevante para a cidade anfitriã.