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quarta-feira, 5 de março, 2025
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Drones agrícolas: avanço tecnológico ou ameaça às comunidades rurais?

Nos últimos anos, o uso de drones para pulverização de agrotóxicos se tornou uma realidade no Brasil. Vendidos como uma alternativa mais precisa e eficiente em relação aos aviões, esses equipamentos cresceram exponencialmente no setor agrícola. No entanto, enquanto o agronegócio celebra a tecnologia, comunidades rurais denunciam contaminação ambiental, impactos à saúde e uma nova ferramenta de vigilância e expulsão dos pequenos produtores.

O caso do Ceará ilustra bem esse embate. No início de 2024, o governador Elmano de Freitas (PT) anunciou que até o fim do ano o estado autorizaria o uso de drones agrícolas para pulverização. Apenas 13 dias depois, a medida foi concretizada, e o Ceará, que até então era o único estado brasileiro a proibir essa prática, aderiu à nova tecnologia. Para agricultores familiares e movimentos sociais, a mudança representa uma ameaça concreta.

Expansão acelerada no Brasil

Os números comprovam o crescimento vertiginoso dessa tecnologia. Dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mostram que, entre janeiro de 2023 e janeiro de 2025, o número de drones agrícolas registrados saltou de 674 para 7.312 – um aumento de mais de dez vezes. Antes concentrados em apenas 18 estados, agora há registros de drones agrícolas em 26 unidades da federação, incluindo locais onde nunca haviam sido cadastrados, como o Acre, Amazonas e Piauí.

Nos estados onde o agronegócio já é forte, a explosão foi ainda maior. No Maranhão, por exemplo, o número de drones agrícolas registrados subiu de apenas um para 104 em dois anos. No Mato Grosso do Sul, o salto foi de dois para 103 equipamentos.

Impactos ambientais e sociais

O avanço da pulverização via drones tem sido acompanhado por uma onda de denúncias. Levantamento da ONG Repórter Brasil revela que, até outubro de 2024, pelo menos 228 comunidades em 35 municípios do Maranhão relataram contaminação por agrotóxicos. Em 94% dos casos, os responsáveis foram drones.

“Os drones começaram a aparecer na paisagem nos últimos quatro anos e, desde então, temos visto um aumento dos casos de contaminação de nascentes e adoecimento da população”, afirma o advogado Diogo Cabral, da Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão (Fetaema). “Muitos moradores apresentam problemas de pele, enjoos e dificuldades respiratórias. Além disso, a produção agroecológica de milho, feijão e abóbora tem sido gravemente afetada.”

A situação se repete no Ceará, onde agricultores denunciam que os equipamentos operam em áreas proibidas, como em proximidade a casas e plantações familiares. Além disso, o uso dos drones também está sendo associado à vigilância das comunidades. “Eles voam sobre nossas casas de manhã cedo e no final do dia, tirando a nossa privacidade. Além de espalhar veneno, servem para vigiar os moradores”, relata uma agricultora de Açailândia (MA), que preferiu não se identificar.

Pressões do agronegócio e a flexibilização de regras

A crescente popularidade dos drones para pulverização está sendo acompanhada de esforços para desburocratizar seu uso. Em outubro de 2024, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) abriu uma consulta pública para simplificar o registro de operadores e cursos de pilotagem. Um ano antes, a Anac já havia facilitado as regras para cadastro dos equipamentos.

Hoje, qualquer pessoa pode obter um certificado para operar drones agrícolas após realizar um curso online que custa entre R$ 1 mil e R$ 4,5 mil. “As exigências para operar um drone são muito menores do que para pilotar um avião agrícola. Basta um curso básico”, critica Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Outro dado relevante é a mudança no perfil dos operadores. Em 2023, cerca de 70% dos drones estavam registrados em nome de empresas. Dois anos depois, esse percentual caiu para 48%, indicando que cada vez mais pessoas físicas estão assumindo a atividade – o que pode dificultar a fiscalização.

Faltam estudos sobre os riscos, alertam especialistas

Apesar do avanço tecnológico, há poucas pesquisas sobre os impactos do uso de drones na pulverização de agrotóxicos. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já se manifestaram contra a prática, alertando para a falta de dados sobre os riscos à saúde e ao meio ambiente.

“Os estudos sobre os impactos dos drones na aplicação de agrotóxicos não acompanham a velocidade com que essa tecnologia avança”, destaca uma nota técnica conjunta da Fiocruz e da Abrasco, publicada em dezembro de 2024.

A preocupação principal é a deriva, quando os pesticidas aplicados se dispersam no ar e atingem locais não planejados. Um estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) revelou que, mesmo com condições ideais de vento, apenas 32% dos agrotóxicos pulverizados por via aérea ficam retidos nas plantas. Esse fenômeno foi um dos motivos que levaram a União Europeia a proibir completamente a pulverização aérea desde 2009.

Para o pesquisador Fernando Carneiro, da Fiocruz Ceará, o uso dos drones está mais relacionado à redução de custos do agronegócio do que à segurança ambiental. “Com os drones, os grandes produtores economizam dinheiro, evitam ações trabalhistas por contaminação e diminuem os gastos com logística. Mas quem paga essa conta é a população rural.”

Fiscalização insuficiente

Diante das denúncias crescentes, a fiscalização sobre o uso dos drones agrícolas se tornou um ponto crítico. Questionados pela reportagem, o Ministério da Agricultura e Pecuária e o governo do Ceará não responderam sobre como garantem que a pulverização respeite as normas de segurança.

Para Magnólia Said, advogada e coordenadora de projetos da ONG Esplar, a falta de fiscalização cria um cenário perigoso. “Como garantir que os agrotóxicos aplicados a distância não ultrapassem os limites seguros? Não temos controle sobre o vento, a altura e o ângulo dos jatos. No fim, a única certeza que temos é que os pequenos produtores estão sendo os mais prejudicados”, alerta.

O avanço dos drones agrícolas no Brasil reflete uma mudança profunda no setor agropecuário. Enquanto a tecnologia é vendida como uma alternativa moderna e eficiente, os relatos das comunidades rurais apontam para um cenário de descontrole e insegurança. A pulverização via drones, sem regulamentação adequada e fiscalização rigorosa, pode representar mais um instrumento de ameaça para pequenos agricultores, aumentando os conflitos fundiários e os impactos ambientais.

Diante do crescimento acelerado da prática, especialistas, ambientalistas e movimentos sociais pedem mais estudos sobre os efeitos dessa tecnologia e um debate mais amplo sobre seus impactos. Caso contrário, o Brasil pode seguir na contramão de países como a União Europeia, que já proibiram a pulverização aérea há mais de uma década.

A grande questão que fica é: quem realmente se beneficia com essa revolução tecnológica?

SÉRGIO PEDRA

É agrônomo e pequeno produtor rural em Mato Grosso.

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