Ministro Dias Toffoli iniciou seu voto, mas ainda não o concluiu, o que pode ocorrer na próxima quarta-feira (4)
O STF (Supremo Tribunal Federal) adiou para a semana que vem a continuação do julgamento de ações que discutem a responsabilização das redes sociais no Brasil. Os processos estão sob relatoria dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux. Ministros do tribunal têm falado publicamente sobre regulamentação das plataformas digitais para combater a disseminação de notícias falsas e de discursos de ódio.
O que dizem especialistas
Para a advogada Luíza Pattero Foffano, especialista da área cível, que está acompanhando o julgamento, a decisão do STF sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet pode redefinir o funcionamento da internet no Brasil, estabelecendo um marco a respeito do equilíbrio dos direitos fundamentais em um ambiente digital e, ainda, da responsabilização das plataformas pelos danos causados.
“Com a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, as plataformas digitais poderão ser responsabilizadas diretamente por conteúdos prejudiciais publicados por terceiros, sem a necessidade de uma ordem judicial prévia de remoção da publicação. Isso facilitará a remoção mais célere de conteúdos ofensivos ou ilícitos, oferecendo maior proteção aos direitos dos usuários”, diz a especialista.
No entanto, de acordo com Luiza, há o risco de que, para evitar a responsabilização, as plataformas passem a adotar uma postura mais conservadora, removendo conteúdos variados de forma preventiva, sem uma análise detalhada sobre sua legalidade ou impacto, o que pode trazer discussões sobre o direito de liberdade de expressão.
“Além disso, para as big techs, a inconstitucionalidade do dispositivo implicaria a necessidade de investimentos maiores em tecnologias avançadas de moderação de conteúdo, para identificação e remoção rápida de materiais potencialmente ilícitos.”
Segundo Bianca Mollicone, advogada especialista em Proteção de Dados e Compliance, o julgamento pelo STF sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet é um tema sensível e complexo. Resolver essa questão no âmbito da Suprema Corte traz um risco, em decorrência da natureza eminentemente legislativa e política do tema.
“As plataformas digitais são hoje a principal infraestrutura que dá acesso à esfera pública. Há limites para uma decisão judicial no que diz respeito à criação de regras amplas para a internet. Esse papel cabe ao Congresso, que deve estabelecer normas gerais, considerando as implicações técnicas, econômicas e sociais”, afirma.
Para a advogada, o debate sobre o artigo 19 reflete tensões globais sobre liberdade de expressão, censura e responsabilidade das plataformas, e exige ponderações sobre equilíbrio entre direitos fundamentais. “Há uma imensa expectativa na resolução do tema pelo Judiciário, frente à inércia ou à polarização no Legislativo”.
“É necessário haver regulação legal para garantia da transparência, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo quanto a atos das plataformas que tratem de restrição da liberdade de expressão, redução de alcance ou sinalização de conteúdos e contas, bem como cancelamentos de contas dos usuários, mas tais questões deveriam ser tratadas pelo nosso legislativo”.
Por outro lado, conforme a especialista, apoiadas no artigo 19 do MCI, as plataformas muitas vezes não retiram conteúdos claramente abusivos, perfis falsos e outras violações claras aos direitos dos usuários. “É necessária uma adequação, que obviamente resguarde a liberdade de expressão, mas o ideal era que a iniciativa viesse do legislativo”.
Como está o julgamento
O ministro Dias Toffoli começou a votar, mas ainda não o concluiu, o que poderá ocorrer na próxima quarta-feira (4). Segundo Toffoli, “o que impulsiona as redes sociais são as matérias de violência, ódio e falsidades”. Segundo ele, o Marco Civil da Internet foi uma conquista democrática da sociedade.
“Mas, dez anos depois, é necessário atualizar o regime de responsabilidade dos provedores para se adequar ao modelo atual de internet, que privilegia o impulsionamento de conteúdos com inverdades, estímulo ao ódio e situações ilícitas. Infelizmente, isso é o que dá mais impulsionamento e, em consequência, dinheiro”, afirmou.
A atualização, segundo o ministro, é necessária em razão das transformações sociais, culturais, econômicas e políticas provocadas pelas novas tecnologias de uso da internet, dos novos modelos de negócios desenvolvidos a partir delas e dos potenciais impactos negativos sobre as vidas das pessoas e dos estados democráticos.
“A automação e a algoritimização dos ambientes digitais trazem riscos a direitos como o da liberdade de expressão, da igualdade e da dignidade da pessoa humana, ao princípio democrático, ao estado democrático de direito e à segurança e à ordem públicas”, disse.
Imunidade
Toffoli considera que o artigo 19 do Marco Civil da Internet dá imunidade às empresas, pois apenas se descumprirem ordem judicial de retirada de conteúdo é que poderão ser responsabilizadas civilmente. Segundo ele, esse formato é ineficaz, pois, com o estímulo a conteúdos de violência, ódio e falsidades, a demora na retirada pode causar graves prejuízos às pessoas afetadas.
Uma das ações discute se esse artigo é constitucional ou não. O texto da lei exige que uma ordem judicial específica seja emitida antes que sites, provedores de internet e aplicativos de redes sociais sejam responsabilizados por conteúdos prejudiciais publicados por outras pessoas.
Na outra ação, os ministros vão analisar a responsabilidade de provedores de aplicativos ou de ferramentas de internet pelo conteúdo gerado pelos usuários e a possibilidade de remoção de conteúdos que possam ofender direitos de personalidade, incitar o ódio ou difundir notícias fraudulentas a partir de notificação extrajudicial.
8 de Janeiro
Entre as sustentações, o ministro do STF Alexandre de Moraes pediu a palavra e disse que as plataformas “dificultam e ignoram” quando há um pedido para retirar do ar um perfil falso.
“Não tenho redes sociais, e eu tenho 20 perfis e tenho que ficar correndo atrás. É tão óbvio para plataforma que o perfil não é meu, porque só me criticam nesses perfis. Essa questão é muito importante. Não há boa vontade das plataformas em retirar [os perfis do ar]”, disse Moraes.
Moraes disse também que os atos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023 demonstraram a “total falência do sistema de autorregulação de todas as redes e todas as big techs”.
“É faticamente, não é teoria, doutrina, é faticamente impossível defender, após o 8 de Janeiro, que o sistema de autorregulação funciona. Falência total e absoluta, instrumentalização e parte lamentavelmente de conivência. Falência, porque tudo foi organizado pelas redes, com grande parte pelas redes. No dia, a Praça dos Três Poderes invadida, as pessoas fazendo vídeo mostrando nas redes sociais, chamando mais gente para destruir, e as redes sociais não retiraram nada poque ‘like’ é sistema de negócio”, disse o ministro.
Fonte: R7