24/07/2015 12h30
Médica que teve carteira devolvida por morador de rua agradeceu com flores
EXTRA
A médica Júlia Menezes Cruz, de 27 anos, passou da aflição ao alívio em poucas horas, no último fim de semana. Ela perdeu a carteira numa rua de Botafogo, na Zona Sul do Rio, no sábado, e logo começou a calcular o dinheiro e o tempo que gastaria para tirar a segunda via de todos os documentos. Entre eles, a habilitação e a carteira do Conselho Regional de Medicina (Cremerj). Para sua surpresa, nada disso foi necessário. Encontrada por um morador de rua, a carteira foi entregue na casa da médica, em Copacabana, no domingo.
— Uma moça que costuma ajudar moradores de rua na região entregou a carteira aqui em casa. O morador de rua perguntou se ela poderia entregar a carteira à dona e mandou pedir desculpas por ter usado o dinheiro para comer. A moça entrou em contato com o Cremerj e conseguiu me achar — conta Júlia.
Em agradecimento, a médica mandou entregar um buquê de flores a Marinalva, a boa alma que intermediou a situação. Ela chegou a perguntar sobre a localização do morador de rua, mas não conseguiu encontrá-lo. Após entregar as flores, Julia não teve mais contato com Marinalva.
— Fiquei muito satisfeita. Era algo que eu não esperava — diz a médica.
Marinalva, que é psicóloga e mora na Urca, não quis dar entrevista e pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome. Na opinião dela, a devolução da carteira por parte do morador de rua foi “o certo a se fazer” e não deveria ser visto como algo “extraordinário”.
O EXTRA localizou o morador de rua que encontrou a carteira da médica. Chama-se Jorge Barros Celestino, tem 53 anos e mora há cerca de 30 anos na Praça Alex Schomaker Bastos, na Urca. Questionado sobre o que o levou a se preocupar em devolver a carteira à dona, Jorge respondeu lucidamente.
— Fiquei preocupado com o trabalho que ela ia ter para tirar todos os documentos. Eu deixo meus documentos bem guardados, ali na banca, para não correr esse risco — conta ele, apontando para uma banca de jornal, segundos antes de se levantar para buscar a identidade.
Jorge é natural de Campos dos Goytacazes, maior cidade do interior do Rio, e com cerca de 10 anos foi levado pelo padrasto para morar no Complexo do Alemão. Foi lá que ele cresceu, se casou e teve uma filha. Jorge trabalhava como entregador e tinha uma vida normal, até que seu irmão e sua filha foram mortos.
— Foi coisa do morro. Minha filha tinha 19 anos. Ela queria terminar com um rapaz da favela, mas ele não queria — conta Jorge, que nunca se recuperou da perda: — Depois disso, entrei em depressão, comecei a beber e vim parar aqui. Na verdade eu morri. Estou vivo, conversando com você, mas morri espiritualmente.
Ao falar da bebida, Jorge reconhece que às vezes exagera e diz que perturba “os vizinhos”, referindo-se aos moradores com quem esbarra diariamente. Durante a entrevista, no entanto, o morador de rua é cumprimentado por diversas pessoas, e chega a brincar de mandar beijinhos para uma gari.
— Ela é linda, mas é casada — diz, bem-humorado.
A carteira de Júlia não foi a primeira que Jorge encontrou. Por duas ou três vezes ele já foi à delegacia da região entregar documentos. Ao falar do caso da médica, Jorge garante que usou o dinheiro para almoçar.
— Tenho vergonha de pedir comida. Me sinto abaixo de todos — justifica.