Um duelo de gigantes, tensão política e uma decisão controversa que marcou a história do esporte, completa 40 anos
O grande mestre de xadrez russo Gennadi “Genna” Sosonko ainda se lembra exatamente onde estava há 40 anos, quando soube que o Campeonato Mundial de Xadrez de 1984-85, entre Garry Kasparov e Anatoly Karpov, havia sido abruptamente interrompido.
“Eu não podia ir à União Soviética, é claro. Eu era um inimigo para eles”, relembra. “Estávamos ouvindo o rádio suíço quando foi anunciado que o presidente da FIDE havia cancelado a partida. ‘Como isso é possível?’, pensamos.”
Um confronto de cinco meses
O embate entre os dois titãs do xadrez durou cinco meses, o mais longo Campeonato Mundial da história. Mais do que um simples duelo esportivo, a disputa tornou-se um reflexo simbólico do futuro da União Soviética. Se Karpov vencesse, representaria a permanência da velha guarda no comando; uma vitória de Kasparov, por outro lado, simbolizaria a iminência de uma nova era. Mas o jogo não teve um vencedor.
“Era mais do que apenas um esporte”, afirma Sosonko. “Na Rússia, o xadrez era uma religião. Os nomes de Karpov, Mikhail Tal e Tigran Petrosian eram conhecidos por todos, mesmo por aqueles que nunca jogaram.”
O grande duelo e a virada de Kasparov
Seguindo as regras antigas do Campeonato Mundial, a vitória seria concedida ao primeiro jogador a vencer seis partidas, sem contar empates. Karpov iniciou forte, abrindo 4 a 0 em apenas 25 dias. Kasparov resistiu e, mesmo diante de 17 empates consecutivos, viu Karpov ampliar para 5 a 0 no jogo 27. Mas, então, tudo mudou.
Com o adversário demonstrando sinais de cansaço, Kasparov venceu pela primeira vez no jogo 32. O desgaste era visível: Karpov, antes seguro e calculista, começou a cometer erros. Nos jogos 47 e 48, Kasparov triunfou novamente, reduzindo a desvantagem para 5 a 3. O campeão reinante, exausto e desorientado, já havia perdido 10 quilos e sua rotina de sono estava comprometida.
Foi nesse momento que Florencio Campomanes, presidente da FIDE, interveio. Voando para Moscou, ele declarou a interrupção da partida, alegando preocupação com a saúde dos jogadores. O jogo foi anulado, e um novo campeonato seria realizado meses depois.
Influência Soviética e a polêmica decisão
A decisão gerou suspeitas imediatas. Para Sosonko, a FIDE estava sob forte influência da União Soviética. “Campomanes claramente favorecia os soviéticos”, diz. Algumas teorias até sugeriram que ele seria um agente da KGB, o que outros especialistas consideram exagero. No entanto, fica evidente que as decisões tomadas durante o torneio favoreceram Karpov.
O atual CEO da FIDE, Emil Sutovsky, reconhece que os soviéticos tinham influência, mas rebate as alegações de manipulação total. “Havia tensão entre a FIDE e a Federação Soviética de Xadrez naquela época”, argumenta.
O legado da disputa
Meses depois, Kasparov finalmente derrotou Karpov na revanche e seguiu dominando os Campeonatos Mundiais seguintes. Seu nome se consolidou como um dos maiores da história do xadrez.
“Hoje, com o boicote esportivo aos russos, eles estão em uma posição muito difícil”, observa Sosonko. “Mas, como no passado, o governo continuará usando o xadrez para seus interesses.”
O Campeonato Mundial de 1984-85 ficou para a história como um dos momentos mais conturbados do xadrez, onde o jogo de 64 casas se tornou um tabuleiro de influências políticas e estratégias de poder.