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segunda-feira, 27 de janeiro, 2025
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PF apreendeu 273 mil quilos de agrotóxicos irregulares no Brasil em seis anos

Especialistas comentam riscos das substâncias ilegais na contaminação humana e do meio ambiente

A PF (Polícia Federal) apreendeu em seis anos 273.284 quilos de agrotóxicos irregulares no Brasil. Os dados se referem ao período de 2019 a 2024 e foram levantados pela reportagem via Lei de Acesso à Informação.

O maior percentual dos compostos foi apreendido em 2022, quando 153.968 quilos foram encontrados em operações da PF. Grande parte das ações são realizadas em cooperação com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e com o Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária).

Questionado sobre o tema, o Ibama alertou para os impactos que os produtos podem causar no meio ambiente, à saúde pública e à fauna. “É de extrema importância que haja controle e fiscalização dessas substâncias para evitar riscos ao ecossistema; bem como contaminação dos solos, das florestas, e das águas superficiais e subterrâneas”, disse o instituto.

O órgão acrescentou que o desafio é “promover uma fiscalização rigorosa na comercialização e na utilização de agrotóxicos e conduzir reanálises de ingredientes ativos com base em dossiês técnicos, incluindo informações de órgãos internacionais, para garantir que apenas substâncias seguras e adequadas sejam permitidas no Brasil”.

Segundo o Ibama, as principais infrações registradas são o uso irregular de pulverização terrestre e aérea; armazenamento inadequado de agrotóxicos; descarte irregular de embalagens; desrespeito às distâncias mínimas entre as áreas de aplicação e residências ou comunidades; e inserção de informações falsas nos sistemas de controle.

A reportagem também acionou a PF e o Mapa para comentar o cenário das apreensões. No entanto, até a publicação desta reportagem, não houve retorno. O espaço segue aberto.

Responsabilidade e cuidado

A pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Ceará e co-coordenadora do grupo técnico contra Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia, Fernanda Savicki de Almeida, explica os desafios de uma fiscalização e combate eficazes aos agrotóxicos irregulares.

“Contribui por muito tempo na Fiocruz do Mato Grosso do Sul, na fronteira do Paraguai e da Bolívia, e acompanhei essas ações de combate aos agrotóxicos. A primeira coisa que precisamos ter em mente é que as políticas públicas são feitas e elaboradas com os dados oficiais que temos, ou seja, com os produtos regulamentados, fiscalizados e taxados. O que acontece quando entram agrotóxicos ilegais é que eles não estão sendo contabilizados. Esses agrotóxicos também não necessariamente foram comprados em fábricas regulamentadas, com controle de produção. São produzidos em qualquer lugar, sem qualquer controle de qualidade”, alerta.

Segundo a especialista, o desafio é que quando os agrotóxicos irregulares chegam no Brasil, nem sequer é possível ter certeza das substâncias usadas na produção. “Estamos falando de produtos que são venenosos e tóxicos, produzidos sem fiscalização e sem nenhum real controle do produto. A pessoa pode comprar um inseticida, e ele pode ser um herbicida, por exemplo. A pessoa arrisca comprar gato por lebre”, disse.

O principal dano é que os produtos têm potencial mais tóxico do que os produtos aprovados. “Muitos desses produtos têm substâncias extremamente perigosas, com risco de contaminar o terreno e a pessoa que manipula esse produto”. Para Fernanda, um caminho é incentivar a agricultura familiar, a produção e consumo de alimentos sem agrotóxicos.

“O incentivo econômico é uma estratégia para fortalecer e orientar a população, assim teremos a comercialização desses produtos em um valor mais adequado para as famílias e mais justo também para quem compra e quem planta”, afirmou Fernanda Savicki.

Legislação rigorosa

Para o doutor em Engenharia Agrícola e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Edney Leandro da Vitória, o Brasil tem leis rigorosas, mas é necessário outras medidas para garantir o cumprimento das normas. “O Brasil tem uma legislação de registro de produtos que é uma das mais rigorosas do mundo. Para ser registrado um agroquímico, seja agrotóxico ou um produto biológico, ele passa por uma série de certificações, com testes da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), passando também pelo controle do Ministério da Agricultura”, pontua.

O especialista explica que os produtos precisam ter, por exemplo, a forma e as doses de manuseio, com tempo de carência e testes de resíduos.

“O produto irregular não tem esse controle todo, podendo causar contaminação humana e ambiental. Porque são várias as normas técnicas que precisam ser seguidas, desde meteorológicas, como direção do vento [no momento da aplicação], período de carência [até a colheita da cultura] e questões fiscais”, disse o professor.

Para o professor, é necessário esclarecer para a sociedade os benefícios e malefícios do uso de produtos químicos irregulares. “Por que assim, o uso pode ser inibido, Defensivos agrícolas são seguros, desde que sejam seguidos os parâmetros da taxa, volume e momento da aplicação, e que ele seja também indicado para aquela cultura”, observa.

O que diz a Lei

O especialista em direito ambiental, Victor Alencar, explica que os agrotóxicos também passam por avaliação do ministérios do Meio Ambiente e da Saúde. “A venda de agrotóxicos é também condicionada a um receituário agronômico prescrito por profissionais legalmente habilitados, dentre outras coisas, a forma de aplicação e precauções de uso e recomendações gerais relativas à saúde humana, a animais domésticos e à proteção ao meio ambiente”, explica.

O advogado pontua que na via administrativa, “produzir, armazenar, transportar, importar, utilizar ou comercializar agrotóxicos, não registrados ou não autorizados, consiste infração punida com multa, que pode variar de R$ 2 mil a R$ 2 milhões, bem como apreensão do agrotóxico”. O responsável também pode sofrer a interdição temporária ou definitiva do estabelecimento, da atividade ou empreendimento; a destruição dos vegetais, principalmente dos com resíduos acima do permitido.

“Na via criminal, a prática consiste crime punido com reclusão, de 3 a 9 anos, e multa, sendo que a pena pode ser aumentada consideravelmente, se do crime resultar dano à propriedade alheia, dano ao meio ambiente, lesão corporal de natureza grave em outrem ou morte. Isso sem contar a possibilidade de responsabilização civil por reparar dano a terceiros ou ao meio ambiente”, explicou o especialista.

Na avaliação de Alencar, o uso de agrotóxicos irregulares também prejudica o agronegócio, “pois consiste em prática de concorrência desleal, uma vez que os produtos irregulares são adquiridos por um menor custo, isso em razão ou da ausência de custo com a burocracia de aprovação por quem o produz, ou em razão de efeitos mais agressivos que os produtos regulares, em relação às pragas, mas às custas de seríssimos impactos à saúde trabalhadores rurais ou consumidores, bem como danos ambientais muitas vezes irremediáveis”.

Fonte: R7

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