14/03/2015 17h00
Primeiro centro municipal de referência para mulheres em SP completa 25 anos
A doméstica Benedita de Melo, 53 anos, diz que sua vida recomeçou em 28 de fevereiro de 2010. Data em que ela decidiu dar um basta às violências sofridas pelo marido durante 30 anos. “Eu tinha vergonha, medo. Mas nesse dia, meu esposo quis me matar e matar meu filho. O teto caiu sobre a minha cabeça. Fiquei perdida”, relatou à Agência Brasil. Depois de ter sido desestimulada a fazer a denúncia em uma delegacia, ela soube de um serviço especializado no atendimento de mulheres vítimas de agressões. Na Casa Eliane de Grammont, equipamento da prefeitura de São Paulo que completa 25 anos neste mês, Benedita encontrou o suporte e as orientações necessárias para enfrentar as ameaças sofridas e superar seus traumas.
A casa, criada em 1990 na gestão da prefeita Luiza Erundina, foi o primeiro serviço municipal do país a oferecer o atendimento às mulheres em casos de violência doméstica e sexual. Passadas mais de duas décadas, a ampliação da rede de atendimento ainda é um desafio. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), divulgado no último dia 4, mostra que o país tem 77 casas de abrigo em 70 municípios e 214 centros especializados da mulher em 191 cidades, a maioria localizados nas regiões Sudeste e Nordeste. Além disso, as instituições do sistema de Justiça especializadas nesse tema estão presentes em cerca de 1% dos municípios brasileiros.
A prefeitura de São Paulo, por exemplo, conta com três centros de referência, além do Eliane de Grammont, na zona sul. A psicóloga Branca Paperetti, coordenadora da casa, explica que o atendimento na unidade é multiprofissional e os primeiros atendimentos servem para desenhar o tipo de suporte que será oferecido à mulher. “A gente avalia se é uma situação jurídica, social, psicológica, ou tudo isso junto, se é problema de habitação, risco de morte, abrigamento. No processo, a gente entende a complexidade do caso e as estratégias necessárias para a superação da violência”, explicou.
Branca destaca que o acompanhamento é processual e não há um prazo definido para que a mulher deixe de passar pelo atendimento. “Pode levar meses ou anos. Até porque há muita complexidade nesses casos, o tempo da superação é grande, o tempo da Justiça é demorado. Enquanto isso, ela vai sofrendo outras violências e outras situações que a gente acompanha”, complementou. A diminuição do corpo funcional da unidade, no entanto, tem reduzido o número de mulheres atendidas ao longo dos anos. “Já trabalhamos com oito profissionais, agora temos duas, uma psicóloga e uma assistente social”, informou a coordenadora.
A capacidade atual de atendimento na casa é 100 mulheres por mês, mas esse número já chegou a 300, informou Branca. Ela destaca, no entanto, que isso não tem deixado mulheres sem atendimento, pois a equipe, mesmo que enxuta, se esforça para garantir um acompanhamento, no mínimo, quinzenal. É o que ocorre com uma educadora, de 37 anos, que preferiu não se identificar. Ela passa por atendimento a cada 15 dias e conta que decidiu buscar ajuda depois de ter sido agredida pelo pai e ficado com o nariz e uma costela quebrados. Depois de registrar o caso na polícia, as agressões físicas pararam, mas as psicológicas permaneciam. “Eu me sentia culpada por aquela violência. Hoje, eu aprendi a me defender”, declarou.
A coordenadora da unidade avalia que, atualmente, as vítimas de violências já estão mais informadas em relação aos seus direitos, especialmente depois da Lei Maria da Penha, mas ainda é preciso avançar na transversalidade das políticas públicas. “É muito importante que isso se efetive. Com a habitação, para que as mulheres tenham, por exemplo, condições de sair da situação em que estão e ir para outra casa; com inserção no mercado de trabalho; com a existência de creches para que elas possam deixar seus filhos e trabalhar; que na educação se trabalhe com as questões de gênero; em relação à segurança, que a polícia faça seu papel nas políticas protetivas”, enumerou.
Benedita ainda teme receber ameaças do ex-marido. “Ele fala para as pessoas que quer me ver pedindo esmola, na sarjeta, então, eu tenho medo”, apontou. A educadora que preferiu não se identificar também se esforça para superar as dificuldades no relacionamento familiar. “Sou uma pessoa responsável pelos meus atos, porém menos culpada”, declarou. Apesar dos traumas, elas dizem ter refeito parte de suas vidas e que a maior prova disso é serem capazes de falar com certa tranquilidade sobre as violências sofridas.
Com informações da Agência Brasil