Copom decidiu aumentar a taxa de juros em um ponto percentual, na quinta alta consecutiva
O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central anunciou nessa quarta-feira (19) o aumento de 1 ponto percentual na taxa Selic, que salta para 14,25% ao ano. Essa é a quinta alta consecutiva da taxa, que chegou ao maior patamar desde agosto de 2016. A justificativa do Copom para a elevação foram as incertezas econômicas e o risco inflacionário. A inflação está acima da meta e acumulou 5,06% nos últimos 12 meses. Com o aumento dos juros, a expectativa é da desmotivação do consumo, o que pode frear a alta dos preços.
Para entender o que muda no bolso do consumidor, a reportagem conversou com alguns especialistas. Segundo economistas, os impactos giram em torno do crédito, pois a Selic regula a média de juros aplicada nessas transações. Logo, quanto mais alta a taxa, mais restrito é o acesso ao crédito.
Redução do poder de compra
O economista Hugo Garbe explica que a intenção do Banco Central é justamente segurar os preços por meio do encarecimento do crédito, o que desmotiva a população a comprar. Então, quando a Selic sobe, os juros dos empréstimos, financiamentos e cartões de crédito também aumentam. Com isso, o consumidor acaba por reavaliar seus gastos e adiar compras maiores, como carros e imóveis, segundo o especialista.
Além disso, Garbe ressalta que as empresas podem pisar no freio em investimentos e contratações a partir da desaceleração do consumo devido ao crédito caro. Isso traria consequências para o mercado de trabalho e pode gerar desemprego, o que também diminui o rendimento das famílias, principalmente se a inflação demora a baixar.
“Se a inflação demorar a cair, o rendimento real das famílias pode continuar pressionado, tornando o cenário ainda mais difícil para quem já sente no dia a dia o peso do aumento de preços”, diz.
Porém, para que a estratégia seja eficaz para conter a inflação, é preciso entender a origem dela, segundo Garbe. Ele explica que, se o aumento dos preços for impulsionado pelo consumo interno, a Selic deve frear a alta. Se for causado por fatores externos, como a alta do petróleo ou problemas na oferta de alimentos, os juros não podem ser suficientes sozinhos.
Aumento de inadimplentes
Garbe avalia que a situação pode se complicar para os brasileiros endividados. Ele afirma que as pessoas que precisam renegociar débitos podem encontrar condições menos favoráveis, pois os bancos ajustam as taxas para cima.
“Dívidas com juros variáveis, como as do cartão de crédito e do cheque especial, podem se tornar ainda mais pesadas. Isso pode levar a um aumento da inadimplência e um crédito ainda mais restrito para os consumidores”, afirma.
O economista Gean Duarte explica que muitos contratos de empréstimo e negociação estão atrelados à Selic, logo, acompanham a alta dos juros. Isso deve prejudicar a recuperação financeira de quem já está no vermelho, segundo ele.
Serviços mais caros
O economista da FGV (Fundação Getulio Vargas) Matheus Dias afirma que o setor de serviços deve encarecer, pois o financiamento de custos com estrutura, equipamentos e insumos fica mais alto, o que impacta no valor final para o consumidor.
Dias explica que o setor é mais inflexível na redução de preços e tende a desacelerar bem menos que outros segmentos da economia, como o dos alimentos. Apesar disso, ele afirma que existe a possibilidade de um cenário contrário, em que o valor do serviço cai para acompanhar a baixa no consumo.
“Você vai aumentar o preço de um serviço que está com a demanda reduzida. Se você não consegue equilibrar as vendas desse serviço, acaba tendo um descasamento entre oferta e demanda, e o preço tende a cair”, diz.
Os impactos são imediatos?
Garbe afirma que para quem tem financiamento em aberto ou precisa pegar crédito, o impacto é instantâneo, já que os bancos ajustam rapidamente as taxas. Entretanto, o efeito no controle da inflação deve ser mais lento.
“Como a Selic influencia a economia reduzindo o consumo e o investimento, leva alguns meses até que os preços realmente comecem a desacelerar”, explica.
Dias afirma que os impactos reais para a inflação devem chegar entre 6 e 9 meses, principalmente no preço dos alimentos, pois o aumento da taxa impacta primeiro as etapas de produção.
“Pode ser que a taxa mais elevada faça com que a tomada de crédito por parte de investidores do agro dificulte o financiamento de maquinarias e insumos. Tudo isso pode afetar os preços dos alimentos, mas não é um efeito que acontece de imediato”, analisa.
Para Garbe, essas medidas, que trazem o cenário de crédito mais caro e consumo enfraquecido, podem ter impactos sociais e políticos importantes. Além disso, se os juros altos persistirem, o crescimento econômico pode ser prejudicado, e a confiança dos investidores pode ser abalada caso o equilíbrio fiscal não seja mantido, explica o especialista.
“No fim das contas, o aumento da Selic é uma tentativa de controlar a inflação, mas ele vem com um preço: desaceleração econômica, crédito mais caro e impacto direto na vida dos consumidores. Resta saber se o governo conseguirá equilibrar essa equação sem comprometer o crescimento do país”, avalia.
Entidades criticam aumento da taxa de juros
Logo após a divulgação da decisão do Copom, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) disse que a medida “não é necessária para controlar a inflação e prejudicará o ritmo de crescimento da economia”. De acordo com a entidade, “a perda de fôlego econômico já influencia as expectativas em torno da inflação”.
A Apas (Associação Paulista de Supermercados) afirmou que a elevação da taxa de juros prejudica o país. “O Brasil já possui uma das maiores taxas reais de juros do mundo e, com a recente calibragem da Selic, torna ainda mais difícil fomentar o nível de investimento necessário para o país se manter competitivo internacionalmente neste cenário de neoprotecionismo. Além disso, os efeitos sobre os empregos e sobre o consumo das famílias são deletérios.”
A Associação Comercial de São Paulo disse considerar que o cenário atual justifica a medida. “Apesar da redução da cotação do dólar, houve aceleração da inflação, que se mantém acima da meta anual, num contexto de incertezas fiscais e expectativas inflacionárias ainda desancoradas, justificando uma política monetária mais contracionista.”
Governo tenta conter inflação
Na semana passada, começou a valer a medida do governo federal para tentar conter a inflação dos alimentos. O imposto de importação de diferentes produtos foram zerados, como café, carnes e milho. A iniciativa não tem prazo para terminar, e a estimativa é que tenha um impacto de R$ 650 milhões em um ano. O Executivo também solicitou que os governos estaduais reduzam o ICMS para a cesta básica.
Além disso, o governo anunciou que o Plano Safra vai priorizar a produção de itens da cesta básica. O programa libera recursos para impulsionar o setor agropecuário.
Outra medida anunciada foi a criação do selo “Empresa Amiga do Consumidor”, que premiará estabelecimentos que forneçam os produtos da cesta básica a valores equilibrados.
Fonte: R7